Um dos temas que mais têm me chamado a atenção neste início de leitura do “Idiota” é a reiteração constante que o narrador faz em relação ao aspecto espontâneo da personalidade do príncipe Míchkin. O personagem sempre é descrito como alguém gentil, bem-educado e completamente destituído de más intenções.
Isso me lembra de um debate que tive com uma colega de pós-graduação, quando do curso desta, há cerca de dois anos. O tema era a pintura de Picasso e ela, que era arte-terapeuta de crianças, bradava decidida que “seu filho faria melhor” que o mestre cubista, dada a simplicidade – segundo ela claro -, da obra do pintor espanhol.
Outra associação que me surgiu foi com a obra do pintor norte-americano Jackson Pollock. A action painting (“pintura de ação”) de Pollock também é geralmente associada a signos como o da facilidade, como se não houvesse a menor intencionalidade crítica por detrás do conceito que o pintor criava. Como se a coisa fosse movida apenas e tão somente pela tal espontaneidade…
Nos casos de Picasso e Pollock, de fato não era a espontaneidade que norteava suas práticas artísticas. Havia, nos cubos do espanhol e nas performances pictóricas do norte-americano, intenção de pensar o mundo e de produzir olhares para além do aparente rotineiro.
Com o príncipe de Dostoiévski a coisa parece ser um pouco diferente. Pelo menos até o momento, o que me surge é um fidalgo que não faz jus ao que se vê na maioria dos casos. Faz lembrar, inclusive o Rei Lear de Shakespeare, às voltas com as contradições das filhas. Míchkin possui apreço pelo “prazer de travar conhecimento”.
É curioso como isso traz para o primeiro plano um aspecto comum no ser humano em geral. Travar conhecimento, no sentido de debater questões no dia-a-dia, parece, para muita gente, algo especialmente complicado e angustiante. Via de regra, o escape disso é a busca por guetos intelectuais que sustentem as opiniões cristalizadas, impedindo o livre trânsito da reflexão, que se encontra dentro dos espelhos da mente humana, sempre pronta a refletir nossas incompletudes e incertezas.
Uma pergunta que fica: até que ponto a postura do príncipe pode servir de objeto de reflexão sobre o papel das defesas egóicas na consciência do sujeito humano (com o perdão da redundância rítmica, afinal, não há outro sujeito)?
Um primeiro dado a ser lançado pode ser o fato de que, se há uma conexão
entre Picasso, Pollock e o príncipe de Dostoiévski, esta reside no desejo (que é de fato diferente do “prazer”, como parece postular o personagem Míchkin) pelo confrontamento de ideias. E acho especialmente importante, neste contexto, a palavra “travar”, que o personagem usa, e que se aproxima do que entendo ser a lógica mesma do que se chama de “diálogo”, a despeito do positivismo do termo. Sem combate, não há debate, nem reflexão. É o que se pode apreender nas entrelinhas dos sofistas gregos, por exemplo, mesmo e apesar de suas intenções escusas…
Marcelo Henrique Marques de Souza
4 comentários
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abril 3, 2009 às 11:50 pm
ethel scliar
Oi, Marcelo! Bem lembrada esta questão da “espontaneidade”, da “inocência” e d simplicidade. Em relação a arte moderna, não ha dúvida nenhuma: sempre acabo escutando esta historia do “meu filho também faz”. Com certeza, a intencionalidade do ato faz toda a diferença, o olhar/reolhar o mundo para decontrui-lo/construi-lo.
Um abração, bom final de semana! Ethel Scliar Cabral
julho 13, 2009 às 6:48 pm
Fábio Cesar
POLLOCK, é simplesmente genial,tenho muitas influencias dele.
maio 30, 2010 às 9:05 pm
Elaine
Olá !
Adoro ler e gostaria de participar do Clube do Livro com vcs, mas percebi que todos os comentarios datam de 2009 , será que cheguei tarde demais?
dezembro 20, 2010 às 9:29 pm
Marcelo
Oi Elaine.
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Marcelo