
mapas para a vida
“A vida que ele conhecia era uma coisa sã, limpa, ordenada, cheia de responsabilidades. Mas um andaime que caiu mostrou-lhe que a vida, fundamentalmente, não era nada disso. Ele, o bom cidadão, marido e pai, podia ter sido varrido para fora entre o escritório e o restaurante, pela queda acidental de um andaime. Ficou então sabendo que se podia morrer assim por acaso, e viver apenas enquanto a sorte cega nos poupasse.”
Acho que este trecho do Falcão Maltês sintetiza o que me atrai nestas histórias de mistério, de detetives e -por que não? – na curiosidade mórbida com que acompanhamos as tragédias estampadas nas manchetes dos jornais. Não existe mapa para a vida. O que parece ser, não é – e por trás da rotina do dia-a-dia, escondida entre as paredes, encontra-se uma outra vida, mais palpitante e cheia de surpresas e significados. É quando ciências exatas e as outras nem tanto se encontram: afinal, que seria de nós, humanos, se não fosse a curiosidade de descobrir o que está nas frestas do Universo? Seguimos pistas: muitas vezes, não levam a nada. Outras, viramos uma esquina – e nos surpreendemos com o inexplicado. Olho para o mundo. Vejo os símbolos, as pessoas, carros e cores e vou tirando minhas conclusões, como um detetive. Mas outras pessoas olham este mesmo mundo e tiram outras conclusões, tão diferentes. Qual seria a mais verdadeira?

labirintos da janela

labirintos da janela
Trilhas e bifurcações
Por enquanto, investigados e investigadores se confundem em O Falcão Maltês. A descoberta de que existe algo na sombra, algo que ainda não se sabe, embaixo do tapete ou no fundo de uma gaveta, nos tira da zona de conforto. “Ah, sim!”, penso eu, “a vida não é só isto! Existe ALGO mais que vale a pena.” Não sei bem o que é este ALGO – um sentido oculto, um outro universo que não compreendo, algo que se revelará, na próxima página, no próximo capítulo, em outra vida.
Então abro o jornal. E este cientista adulterou dados. Este artista plagiou. Este pacato cidadão matou a mulher. Ou esta mulher matou um filho. Mata-se o pai e a mãe. Mata-se o colega de trabalho. Por ciúme. Por dinheiro. Por desconfiança. Por tirar conclusões que nada concluem. Por sabe-se lá que motivo. Ou sem motivo. E investiga-se. E acompanham-se as histórias, com perspectivas que revelam um outro mundo. Ah! Eu, que tantas vezes me enganei e tirei conclusões precipitadas! Amores que pensei seriam eternos. Amigos que apunhalaram. Negócios que resultaram em nada. A vida que parecia uma trilha certa e clara, transformando-se em um emaranhado. Que caminho seguir? Qual a pista que levará à saída do labirinto? Eu, neste livro, como pela janela da minha casa, descubro, a cada página, que a percepção da realidade se destrói e se reconstrói minuto a minuto. Ethel Scliar
7 comentários
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janeiro 15, 2009 às 12:44 pm
Mercia
Ethel,
também adorei esse trecho do livro… ele não tem nada a ver com a estória, mas tudo ao mesmo tempo…
tudo a ver com qualquer de nós, em qualquer dia, sobre qualquer coisa!!
O bom é que temos a possibilidade de dar um próximo passo, mudar o caminho.. mudar de vida, como essa pessoa o fez…
Estava pensando em usar isso no meu próximo post, mas tinha certeza que alguém iria usa-lo antes de mim!! 🙂
beijos!
Mercia
Mercia, já percebi que aqui no Clube tem que ser rápido, ou quando a gente vê, já tem um post com o mesmo trecho que se pretendia usar… kkkk Brincadeira: sempre há novos angulos, novos pontos para desdobrar sobre as mesmas palavras. Um beijo grande, Ethel.
janeiro 15, 2009 às 2:19 pm
alvarosilva
Gente;
essa questão do andaime, que não tem nada a ver e ao mesmo tempo tudo a ver com o livro, me faz recordar um magnítico poema de Antonio Machado. Fiquem com ele para vocês:
Caminante no hay camino
Antonio Machado
Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.
Nunca persequí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse…
Nunca perseguí la gloria.
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar…
Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
“Caminante no hay camino,
se hace camino al andar…”
Golpe a golpe, verso a verso…
Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
“Caminante no hay camino,
se hace camino al andar…”
Golpe a golpe, verso a verso…
Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
“Caminante no hay camino,
se hace camino al andar…”
Golpe a golpe, verso a verso.
É isso, portanto: caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Caminante, son tus huellas el camino y nada más.
Álvaro, adorei o poema. Não conhecia o autor. E por que será que hoje, neste doido mundo, se dá tanta importância ao “chegar lá”? Mesmo que nunca se “chegue lá”, seja lá o que isto for… Hora de caminhar, sim, hora de apreciar as veredas… Ethel
janeiro 15, 2009 às 10:17 pm
Marcelo
Ethel, gostei muito do seu texto.. muito mesmo.. No labirinto da vida não há realmente portas de saída e nem de entrada.. Mas é como eu digo: a gente segue quebrando algumas paredes aqui, batendo a cabeça em outras ali… Preenchendo o nada com enigmas. E o engraçado é que alguns, de vez em quando, pensam que mataram as charadas…
Beijos
Marcelo, entao, que bom seria se conseguissemos desvendar e matar as charadas da vida! Mas toda, me surpreendo dando voltas e reviravoltas. Um abração, Ethel
janeiro 16, 2009 às 4:01 pm
Lys
Ethel, esse trecho é fantástico. Já acabei de ler o livro e devo confessar que foi a parte que mais gostei. Como a Mércia disse e o Álvaro confirmou, essa questão do andaime, que não tem nada a ver e ao mesmo tempo tudo a ver com o livro, foi a parte que mais me chamou a atenção.
Outra coisa que achei interessante foi justamente o fato do sujeito ter recriado uma outra vida completamente similar a que ele tinha anteriormente. Engraçado não é mesmo ? Eu na hora que li fiquei pensando em como faria se resolvesse começar do zero a minha vida.
Estava com saudades de seus textos.
Muitos beijos,
Lys
Lys, e eu fiquei curiosa de saber o que você faria! Dá uma pista! Saudades, saudades. Ethel
janeiro 17, 2009 às 10:55 am
danipontes
Ethel, como sempre, belissimo texto querida!!!
Realmente nossa vida é feita de pistas… as vezes tentamos desvendar o mundo por elas, outras vezes pensamos que deciframos as pessoas, como num perfil psicologico!! Mas o mundo muda, as pessoas dão suas reviravoltas e ninguem nunca desvendará o grande mistério!! Ate pq ao desvendá-lo a vida perderia a graça não?!!?
Beijos, Dani
Dani, e o final do livro mostra bem estas reviravoltas, não? Bzus, Ethel
janeiro 19, 2009 às 10:48 am
Lino Resende
Acho, Ethel, que a questão é nos olharmos como seres humanos. E neste caso o andaime revela que a vida não é o que fazemos dela, colocando-nos em choque. E veja que, depois, ele retoma a vida metódica, reenquadrando-se. A ilustração, no meu entendimento, serve para mostrar que há sempre a possibilidade de uma surpresa que abala o cotidiano.
Lino, concordo. Acho que a historia revela o inesperado da vida, mas ao mesmo que tudo muda e nada muda… Aliás, vou repensar o meu outro post a partir disto! Ethel
fevereiro 1, 2009 às 8:15 pm
Um andaime em sua vida « Clube do Livro
[…] momento marcante no livro O Falcão Maltês, na minha opinião, foi o caso do andaime (a Ethel já nos falou sobre isso). No entanto o mais intrigante foi ver que o tal desaparecido construiu novamente uma vida […]